O prémio conto
ilustrado infantil Correntes D'Escritas/Porto Editora 2016 foi atríbuído ao texto A magia de Ahmed, escrito e ilustrado por alunos do 4º ano do Agrupamento de Escolas Gomes Teixeira, Armamar.
A magia de Ahmed
Era
uma vez uma cidade que não era muito grande nem muito pequena. Como todas as
outras cidades, tinha muitas casas, prédios com muitas janelas, ruas largas e
ruas estreitas, um hotel, escolas modernas, muitas lojas, alguns jardins,
cafés, muitas pessoas apressadas... coisas iguais a todas as cidades que não
são grandes nem pequenas.
Mas algo era diferente: bem no centro
desta cidade, passava um riacho que desaparecia no "Baldio". E era a
existência do Baldio que fazia a diferença!
O Baldio era um pedaço de terreno
abandonado junto ao campo de futebol. Era um espaço sozinho, esquecido,
sombrio, rodeado de muros altos, velhos como o tempo, onde ninguém se lembra de
ter entrado. Do lado de fora do Baldio, por cima dos muros, viam-se, há muitos
anos, as copas de mil árvores frondosas e esverdeadas de mil verdes. Os
habitantes da cidade habituaram-se a passar longe do Baldio porque se contavam
muitas histórias tenebrosas a propósito dos barulhos que se ouviam à noite, das
sombras que a vegetação desenhava no horizonte, dos cães e gatos que
desapareciam misteriosamente, dos contos de seres inventados. Por isso, ninguém
se atrevia a transpor os muros, mas todas as crianças viviam curiosas e com a
esperança de um dia poderem desvendar os segredos do Baldio.
Só um habitante da cidade não temia as
histórias deste lugar misterioso: o Ahmed!
O Ahmed não tinha medo porque também ele
era estranho. Dizia-se que era oriundo de uma terra distante, dos lados do
Oriente, que tinha fugido da guerra, que não tinha família, que vivia à custa
de pequenos trabalhos de limpeza, lavagem e arrumação de carros e de conserto
de canos e fios de eletricidade. Os pais e as mães diziam às suas crianças que
o Ahmed não era boa companhia, portanto, deviam evitá-lo. Mas, às vezes,
meninos e meninas, no final do jogo de futebol, sentavam-se na margem do
riacho, junto ao muro, a ouvir as histórias que o Ahmed contava. Eram bonitas!
Nasciam de um rosto moreno que se acendia, quando as contava!
Um dia, num sábado, deu-se na cidade um
acontecimento preocupante: os meninos tinham estado, pela manhã, muito
divertidos a jogar à bola... depois, ninguém mais soube deles! Não apareceram
para o almoço e os pais ficaram muito aflitos.
Depressa a notícia se espalhou pelas ruas!
Formaram-se grupos de pessoas que procuraram as crianças por todos os cantos da
cidade, chamaram a polícia, a sirene dos bombeiros gritou, até os senhores do
INEM se prepararam para agir! Mas os esforços foram em vão! As crianças não
apareceram!
Já se tinham passado algumas horas,
quando alguém se lembrou de perguntar ao porteiro do parque desportivo!...
Entretanto, as crianças estavam na
floresta do Baldio! Entraram a medo, todos em fila, atrás do Ahmed que os
encorajava. A princípio, as árvores e os arbustos até dificultava a passagem,
de tão densos; depois... ai, depois!... Tudo se transformou!
O Baldio, afinal, era um lugar
maravilhoso! O riacho que entrava na floresta, pequenino, formava uma cascata e
alargava o seu leito! Várias espécies de animais brincavam nas margens e
banhavam-se na água límpida! As flores coloridas tapavam o chão como se fossem
pinturas de um tapete gigante! A relva era macia e convidava a rebolar, a
deitar! Um velho moinho, com as portas abertas, mostrava as montanhas de
brinquedos; os mesmos que um dia se estragaram e que as mães deitaram fora;
estavam, agora, como novos!
Perante este quadro de sonho, as crianças
estavam de boca aberta, sem palavras, com os olhos a brilharem e a quererem
mais!
- Olha uma árvore!
À beira da lagoa, mesmo ao lado do
moinho, lá estava a árvore! Grande! Copada! Pelo tronco, pendiam umas escadas de
corda! Por entre os ramos, uma casa!
- É aqui que eu vivo! Podeis subir.
As crianças, ao ouvir o convite de Ahmed,
reparam pela escada de cordas e entraram na casa construída no alto da árvore.
- Que lindo!
- Tantas coisas!
- Ena! Tantos livros!...
Dentro da construção de madeira, havia um
sofá que servia de cama, um armário, uma secretária com um candeeiro a petróleo
e estantes... e muitos, muitos livros!
As crianças estavam maravilhadas com
tanta magia. O Ahmed estava feliz e mostrava a sua felicidade no sorriso que
lhe rasgava o rosto e nas lágrimas brilhantes que lhe caíam e molhavam o chão
da casa.
Enfim, o Ahmed teve a oportunidade de
falar sobre a sua vida. Contou-lhes que umas bombas destruíram a sua casa, a
sua família e a escola onde ele dava aulas. Contou também que escrevia livros
com histórias infantis. E as crianças compreenderam que, afinal, aquele homem
de quem todos tinham medo era bom, era até uma pessoa especial.
O que restava da tarde foi passado por
entre muitas histórias... sem ninguém dar conta de que o sol começava a ficar
mais fraco e se preparava para se incendiar no cume da serra.
- Agora, tendes que ir embora, meninos!
Cheias de alegria e com muito que contar,
as crianças abandonaram a casa, a clareira da lagos, a floresta e...
Do lado de
fora do Baldio, para lá dos muros, uma multidão de pessoas aflitas, nervosas,
revoltadas... todos soltaram, ao mesmo tempo, um ruidoso suspiro de alívio. E uma confusão emocionada encheu a
estrada. Alguns abraçaram os filhos, outros bateram palmas, outros queriam
"fazer justiça" e prender o Ahmed por este ter "raptado" os
meninos.
No
dia seguinte, toda a cidade falava da verdadeira história do Ahmed e comentava
a decisão da Câmara Municipal: inaugurar a "Biblioteca da Casa da
Árvore", destruir os muros e abrir à cidade o "Parque da Lagoa".
- E o
Ahmed?
O Ahmed
continua a fazer pequenas reparações de brinquedos, a escrever livros, a contar
histórias à beira do riacho e... é, hoje, o "Senhor Professor
Bibliotecário"!